domingo, 6 de novembro de 2016

Um Tsunami chamado Stevens-Johnson



Esther depois do Tsunami
Você já assistiu aquele filme chamado Impossível, que conta a incrível história de uma família que estava em férias e o local onde estavam foi atingido por um tsunami? Sempre me perguntei como será que as pessoas reagem diante de uma situação dessas, principalmente porque não sei nadar.
O filme hoje para mim é uma metáfora do que a vida faz, sempre ha um tsunami que nos atinge em determinados momentos e ficamos perdidos, desorientados, achando que vamos morrer.
Sim, achamos que vamos morrer, no momento em que a onda nos atinge, no momento em que afundamos sem ter onde apoiar os pés e no instante em que não conseguimos saber o que está acontecendo com nossa família ou com aqueles que amamos. Foi isso que aconteceu conosco. Por isso fiquei sem escrever e sem ler durante tantos meses, não sabia o que seria de nós, o que estava acontecendo e nem a dimensão de suas consequências.

Dia 18 de julho minha filha passou mal com dor de garganta e foi levada ao hospital 9 de Julho em São Paulo, passou pelo pronto socorro, fez exame de sangue e um ultrassom do pescoço pois estava com os gânglios inchados e com febre, coisa que nunca teve, o diagnóstico recebido foi de caxumba, pois a cidade estava passando por um surto. Questionei o médico que nos atendeu pois ela estava com manchas pequenas na pele
"- será que é dengue? Caxumba não pinta a pele, o senhor viu isso?".
A resposta foi taxativa:
"- o surto de dengue já acabou, os gânglios estão inchados, é caxumba, vou passar um anti-inflamatório porque não existe tratamento, o organismo tem que reagir, é apenas para tirar o mal estar e abaixar a febre"
"- Doutor, minha filha usa medicamento de uso contínuo faz 5 anos, é bipolar tipo 1, os remédios que ela toma costumam dar muita reação medicamentosa, o psiquiatra dela pediu para avisar que ela toma..."
"- Não precisa me falar nada, esse remédio não dá reação alguma".
Entrei em contato com o psiquiatra dela e ele pediu que mostrasse a conversa no aplicativo para ele, argumentando que poderia causar uma reação alérgica grave, ele leu e me disse que não tinha nada a ver.
Minha filha tomou Cetoprofeno às 01:30 no hospital e às 03:30, já em casa, estava com sangramento interno e a pele totalmente coberta de manchas rosadas. Liguei para o psiquiatra, corremos para o consultório logo cedo, o diagnóstico: Síndrome de Stevens Johnson! Mas o que é isso? Uma reação alérgica grave nível 4.
"- Vá para o hospital agora. Aqui no quarteirão do lado é a Escola Paulista de Medicina, leve a carta de indicação, como é um processo raro, eles vão querer tratar."

Levei minha filha imediatamente, ficamos em filas por horas e quando o médico a examinou confirmou o diagnóstico, "porém não temos condições de tratá-la aqui, leve-a para o Santa Isabel".

Lá fomos nós, chegando lá fotografaram seu corpo e confirmaram que o diagnóstico estava correto, ela ficou internada no pronto socorro. Sim, por 48 horas, sem tratamento, sem banho, sem comida, sem medicamento, sem médico responsável, as manchas foram escurecendo e espalhando cada vez mais. Briguei com a responsável, ameacei processar o hospital, buscamos transferência e nenhuma instituição não queria nos receber pelo fato dela ser Bipolar. O preconceito é enorme. Supliquei a Deus um escape e ele foi misericordioso, o Hospital Santa Catarina quis o caso.
Minha filha foi de chinelo, camisola e sem um único cobertor andando para a ambulância, não lhe deram sequer o privilégio de uma cadeira de rodas e um lençol, embora estivesse morrendo de dor e frio, a temperatura era de 11 graus.
Quando chegamos no hospital, foi uma correria, as lesões se agravaram de tal maneira que seus lábios grudaram, o nariz fechou quase totalmente tomada por bolhas que formaram uma crosta enorme, As manchas tomaram todo o corpo e formaram bolhas, fomos para a unidade de tratamento intensivo,

22 dias de UTI. Aplicações de laser nos lábios para poder abrir a boca e curar as feridas internas. A síndrome avançava no seu caminho de destruição, tomou a traqueia, esôfago, estômago, intestino, útero. Uma equipe de vários médicos: Cardiologista, Dermato, Gastro, Oftalmo, Ginecologista, Cirurgião Plástico, Fisio,.. enfermeiras, especialistas em UTI e queimados, todos correndo tentando resgatá-la com vida. Minha filha perdeu 99% da pele do corpo, tomava morfina o dia todo para suportar a dor. Cada vez que se sentava na cama, a pele toda ficava no lençol.
Enquanto isso toda a igreja, amigos, parentes intercediam pela sua vida, gente de todas as religiões e sem religião nenhuma pediam para que ela sobrevivesse.

Uma noite ela me disse "Mãe, se eu morrer..." e eu lhe respondi "você não vai morrer.", ela simplesmente afirmou "eu estou morrendo". Repreendi aquilo com todas as minhas forças e com toda a doçura do meu coração...." você não vai morrer, nós vamos sair daqui juntas e com vida, saudáveis. Em nome de Jesus."

O tsunami tinha passado, as enfermeiras me diziam, ela tem um trajeto, só para quando destruir tudo! Li tudo o que encontrei a respeito, teses de mestrado, doutorado, artigos científicos e meu coração só apertava: 70% de letalidade, necrose, desfolhamento da derme, perda de visão, audição....eram os escombros que vinham com a onda, se a água não matasse, os escombros se incumbiriam de fazê-lo.
Mas Deus foi fiel e ao contrário do esperado, ele capacitou os médicos como nunca. Vieram os curativos, a enfermeira que fez a proposta de um tratamento diferente, o responsável pela UTI que foi humilde em escutar, as coisas coisas começaram a mudar.

36 dias depois ela tinha escapado da morte. Foi um milagre? Para nós foi. Nesse período perdi  o emprego e o convênio, estávamos em dinheiro, sem nenhum recurso, mas a empresa resolveu assumir o tratamento e eu aprendi que há categorias diferentes de pessoas:
1º) Aquele de grande ego que não houve ninguém e se acha dono da verdade, que é capaz de expor a vida de alguém ao risco de morrer apenas para não ser questionado;
2º) Aquele que ouve a todos os que trabalham com ele e não se coloca como senhor absoluto da verdade;
3º) Aqueles que te conhecem ou não e dizem que o que está acontecendo é sua culpa (sim, nós ouvimos esse tipo de coisa e é muito mais comum do que se imagina) e esperam sua morte como consequência e até torcem para que aconteça e assim provem que eles são os detentores da verdade. São muito parecidos com o primeiro tipo.
4º) Aqueles que não te conhecem ou conhecem e oram pedindo com todas as forças para que você seja privado do mal e se solidarize.
5º) E alguns muito especiais, como o Doutor Novazi que conduziu o tratamento da Esther e se disse como um pequeno instrumento (uma canetinha) na na mão de Deus.

Estamos em casa agora, Serão meses de tratamento ainda, mas ela está bem, sua pele ainda está se recuperando, o prognóstico é de 8 a 9 meses, Ela não pode receber luz branca ou tomar sol, usa bloqueador solar 100 e muitos, muitos cremes para a pele. Ainda está coberta de manchas, mas o Senhor nos tem sustentado.

O tsunami passou.... estamos em fase de reconstrução.
Primeiras Manchas
Diagnóstico de caxumba

primeiras manchas
Primeiras manchas
  
entrada no hospital